quarta-feira, 10 de junho de 2009

Solilóqio

A menina tinha tranças. Os cabelos compridos dormiam muito agitados e, ao acordar, dava um trabalho danado para desembaraçar. Fio por fio, repartir ao meio, trançar as três mechas de cada lado, esticar a franjinha e amarrar um lacinho de cada uma das pontas.
A menina gostava muito de andar de bicicleta pela rua. De comer, só mesmo doce de leite e batata frita. E bife mal passado também. E caldo de feijão. "Êta menina dengosa", todos diziam.
Mas a tal menina era muito sozinha. Vivia tentando se enturmar, mas era tida como antipática e metida a besta porque gostava de ler, de ouvir música clássica na eletrola da sala. Sobravam, então, os primos e umas poucas meninas da rua. Ah, que inveja ela tinha dos primos com sua algazarra matinal, com as brigas na hora do almoço e as brincadeiras na hora de dormir.
Filha única. Sozinha. Sempre. Mimada. Tudo tinha hora certa pra fazer: deveres da escola, saídas de bicicleta, banho, refeições, cama.
Novidade era brinquedo novo, máquina de pipoca americana que um belo dia chegou na cidade. Todo mundo levou as criança para ver. A menina ficou horas vendo os carocinhos estourando e rodando através do vidro. Carnaval, todo ano igual, mas era bom. As férias também quase não mudavam. Nem as pessoas. Só quando morriam.
Ranheta e teimosa a menina continua atté hoje. Fala de boca cheia em aamadurecimento, mas não passa de uma mulher frágil como uma criança carente. Infantil até, eu diria. Quer tudo no momento exato e, para complicar, gostaria que os outros adivinhassem seus desejos. Não faz por menos. Nem pode esperar. E, como isso não acontece, a menina faz pirraça, fica zangada. Às vezes consegue fingir, até porque ela própria se impôs um comportamento que exige liberdade incondicional dos que lhe são próximos.
Mas aí, quando não aguenta mais, chora, descompensa. Como uma menina. Exatamente da mesma maneira que fazia quando era criança e mimada. Ela já envernizou bastante a fachada, mas lá dentro o ranço da infância permanece. Isso não vale, garota! É chantagem infantil, vai por mim!

Um comentário:

Julia disse...

Solilóquio, é? ;-)