domingo, 17 de janeiro de 2010

A tragédia do Haiti e o sentido da vida


Tragédias como as do Haiti, a mais recente, me deixam absolutamente descrente de que haja alguma possibilidade de existência de um poder superior ou algo que o valha. Que me perdoem os crentes, que chovam as críticas e os esculachos, que os céus caiam sobre a minha cabeça, mas não dá para acreditar que tudo o que aconteceu ali, que todo aquele sofrimento aconteceu por obra e graça de deus e que isso possa fazer algum sentido para alguém.

Ao olhar para aquelas multidões desesperadas, esfomeadas, os sobreviventes de uma tragédia que matou 140 milhões de pessoas num dos países mais miseráveis do mundo, sinto um desalento medonho. E, na impossibilidade de ajudar, de contribuir para minimizar, de alguma forma, o sofrimento daquela gente, me revolto com a ideia de um deus pai, bondoso, amoroso, incrustada em nossas mentes desde a primeira infância.


Que pai deixaria seus filhos sofrerem tanto e de tantas maneiras? Porque a verdade é que todos nós, aqui na terra, sofremos. Alguns mais, outros menos, o fato é que a existência, definitivanente, não costuma ser um mar de rosas para ninguém. Longe de mim querer entrar em controvérsias religiosas ou debates filosóficos sobre este tema. Até admiro quem consegue ter e manter sua fé, apesar de tudo e diante de tudo. Quanto a mim, à medida que envelheço, multiplicam-se as interrogações e as dúvidas, assim como diminuem as certezas.


Criada em igreja metodista, tornei-me católica na adolescência, encantada com o ritual das missas e procissões, encantamento este que se somou à revolta com as proibições absurdas que me eram impostas por ser crente. Entre elas, a de curtir o carnaval. Desde então, já fui esotérica, umbandista, espírita kardecista, já namorei o budismo e até voltei a ser crente após passar por uma verdadeira lavagem cerebral num momento de grande depressão e crise existencial. Depois disso, tornei-me assumidamente agnóstica.


Posso afirmar que esta não é uma posição confortável. Existe um enorme preconceito contra quem assume não ter religião e, mais ainda, sobre os que admitem não crer em deus. A tolerância religiosa é um fato no Brasil, mas só para quem tem alguma religião, qualquer uma, nem que seja de fachada. Quanto a nós, os que não professamos nenhuma fé, mesmo ficando quietinhos na nossa e nos recusando a entrar em polêmicas, somos olhados meio de banda, como se não fossemos dignos de respeito.

Acho lamentável que a relação entre ateus e religiosos seja uma via de mão única. Eu não fico dizendo para os espíritas o quanto acho infantil e viajante a ideia da rencarnação. Não ridicularizo os adultos que se sentem dotados de superpoderes que os tornam capazes de vidências e premonições. Respeito os católicos mesmo considerando por demais hipócrita essa coisa de santos, anjos, demônios, assim como o céu e o inferno comum aos crentes. Mas a recíproca não é verdadeira. Vira e mexe sou olhada de banda e desconfiança por não ter religião, por não ter fé no sobrenatural ou no espírito santo. Mesmo sem dizer claramente, as pessoas encaram o fato de não ter religião uma espécie de defeito de caráter ou, pior ainda, um defeito moral.

O que, aliás, não deia de ser natural num país de crédulos como o Brasil. Nós, os que não cremos, somos uma minoria absoluta. Os ateus representam um por cento da população brasileira, segundo pesquisa do Datafolha e os agnósticos, feito eu, outros dois por cento. Os outros 97% crêem em algum tipo de divindade que rege o planeta, sendo que a maioria esmagadora acredita no deus do mito judaico-cristão.



Imagens de Aaron Jasinski e Ram Castillo.

7 comentários:

Cejunior disse...

Dalva, assino embaixo seu desabafo. A verdade é que num mundo cheio de deuses, uma pessoa que opta por não seguir nenhum deles é vista com estranheza e até preconceito. Como falou a jornalista Cora Rónai, nunca se viu exércitos de ateus destruindo outros ateus para impor seus pontos de vistas, tal qual as religiões.

Um abração e ótima semana!

Cris V disse...

Oi, Carlos, acho que a gentre precisa se conhecer. Temos muitos pontos de vista em comum! Abs. da Dalva

Jôka P. disse...

Concordo com seu ponto de vista, Cris! "Deus" é uma invenção do homem pra se entir mais confortável diante da vida e da morte. Nunca tive nenhuma crença em "Seres superiores". Parabéns pelo texto corajoso, lúcido e perfeito.

DIÁRIO DO RUFUS disse...

Enfim, alguém que pensa igualzinho a mim!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Estava tão perto e eu não sabia!!!!
Aleluia (opa!!!), saravá(opa!opa!!!).
Dizer que é umbandista já é um grande problema (conheço muitas pessoas que morrem de vergonha de assumir isso), mas ser ateu, agnóstico, parece crime. E quando vc usa uma expressão tipo "graças a deus tal qcoisa vai acontecer", sendo que graças a deus tem , no caso o mesmo significado de "que bom", você ainda tem que aguentar aqueles comentários babacas: "Tá vendo? vc não acredita em Deuse mas vive falando nele". Isso me torna uma religiosa? Beleza, então vou usar essa expressão o tempo todo pra garantir um lugarzinho n o céu, podendo até ser uma grande fdp. Meu pai - kardecista - sempre me falava que conhecia muito ateu que vivia fazendo o bem, enquanto alguns religiosos assumidos só viviam pra passar por cima dos outros. Se tiver céu mesmo, quem tem mais direito a um lote lá?

DIÁRIO DO RUFUS disse...

É verdade, cejunior, nunca se viu nenhum exército de ateus destruindo os outros pra impor seus pontos de vista.

Liana disse...

O tema religião é difícil mesmo.Costumo pensar que é pegar ou largar...e eu peguei.Não consigo nem imaginar uma vida descrente de tudo e acho que a fé facilita muita coisa, então a tenho como quem toma um remédio que se não curar,mal não vai fazer.

Mas não consigo crer num Deus vingativo nem julgador, não.Se Deus for algo assim como alguém que ficasse anotando meus erros para um dia me punir, eu é que não iria querer conversa com ele! rsrsrsrs

Penso nele como um motivo para tentar ser alguém melhor.O que não me impede de brincar com ele já que entender eu não consigo mesmo...aliás,se eu o entendesse ele não seria assim tão Deus.

Bom,acho que ele existe em todas as culturas ou quase todas...então...quem sou eu para não acreditar...

Beijo!

Ana Borges disse...

Bom, "graças a Deus", sou atéia mesmo.
Como diz uma amiga minha, sou uma "mulher de pouca fé".
Sou mesmo, cada vez menos fé, cada vez acreditando menos nessa história toda de religião, Deus, Diabo, céu, inferno, culpas. No homem, de maneira geral.
Somos tudo produto de geração espontânea, começamos girinos e viramos isso q. taí.
A vida ñ tem sentido, ñ adianta perguntar nada, muito menos buscar respostas. Elas ñ existem.
Quando a gente morre, the end, fin, ender. Caput.
Então, procuro ser legal comigo e c/os outros, pq. sou como sou, fiel a mim mesmo e a quem amo.
Bjs.